Os quilombos surgiram na época da colonização brasileira como resposta à violência praticada pelos portugueses e, depois, por seus descendentes, contra os negros que foram trazidos à força para o Brasil, vindos da África. Os primeiros registros desse tipo de formação datam da década de 1570. Além da fuga imediata da opressão, o surgimento dos quilombos também foi uma afronta ao sistema escravista que vigorava. Essa organização do povo negro ajudou, mesmo que lentamente, a inviabilizar o sistema escravocrata. As comunidades davam suporte para as rebeliões, incêndios em plantações e resgate de cativos. Fatores que ajudaram na busca pela abolição.
Símbolo da resistência negra no período da escravidão, os quilombos contemporâneos sofrem com o legado de desigualdades deixado pelo período colonial. Isso por causa da falta de acesso à terra e a políticas públicas básicas como saúde e educação. Ao devolver as áreas à comunidade, o Incra busca estabelecer um procedimento de justiça e resgate das tradições das famílias que agora retornam às suas terras.
Atualmente, existem 3.524 comunidades quilombolas mapeadas no Brasil*. No entanto, estima-se que o número total pode chegar a 5 mil. No Estado de Santa Catarina, são 21 comunidades, localizadas em 16 municípios, com um total de 4.595 pessoas e 1.350 famílias**.
O projeto da Mostra Chica Pelega – Edição Quilombola, foca nas regiões da serra e meio oeste catarinense, abrangendo os quilombos Invernada dos Negros e Campo dos Poli, divididos nas cidades de Abdon Batista, Calmon, Campos Novos, Fraiburgo, Matos Costa e Monte Carlo.
A Comunidade Quilombola Invernada dos Negros, situada nos municípios de Campos Novos e Abdon Batista/SC foi a primeira comunidade quilombola do estado a receber a certidão de reconhecimento como remanescente de quilombo, concedida à Comunidade dos Herdeiros da Invernada dos Negros em 2 de abril de 2004, pela Fundação Cultural Palmares. Bem como foi o primeiro território quilombola a ser reconhecido, em 2008, pelo Incra em Santa Catarina. A comunidade possui suas próprias características, mas se aproxima de outras em questões como: a liberdade e o acesso à terra através de testamento.
Nos relatos os membros da Invernada dos Negros comentam sobre a forma de uso das terras legadas. As terras de morar eram destinadas à construção de uma casa ou cabana. Já as terras de plantar se localizavam mais distantes das casas. O trabalho era desenvolvido pela unidade familiar e a preparação da terra levava dias de trabalho intenso.
A chegada da indústria madeireira também foi relatada pelos descendentes dos legatários da Invernada dos Negros. Houve a instalação de inúmeras serrarias, o que afetou diretamente a forma de vida da comunidade. Na década de 1940 que a indústria madeireira se consolidou em Campos Novos. A instalação das serrarias foi ocorrendo até mesmo dentro das terras da Invernada dos Negros. Os moradores contam que, segundo seus antepassados, “as serrarias iam chegando e iam se instalando”. Algumas foram feitas próximas às residências, outras dentro de seus próprios terrenos. Isso era conhecido como a “limpeza das terras”, e iniciava-se expulsando os quilombolas e destinando as melhores áreas para a venda e empurrando a população para terras de menor qualidade, extremamente acidentadas.
Os descendentes e legatários da fazenda São João viveram no período pós-abolição sem acesso a direitos básicos, como saúde e educação. Precisaram resistir para permanecer no território, com dificuldades que só aumentaram após a colonização e a “modernização”. Nesse caso, é preciso pensar que essa comunidade negra tem como especificidade o uso da terra associado ao seu passado, ao legado e ao parentesco entre os membros. Então a importância de recuperar esse território se faz extremamente necessária.
Ainda surpreende uma parte dos brasileiros a ideia de que, em tempos atuais, os quilombos existem. E não são poucos. Ao menos 6.000 comunidades em todo país se identificam assim. Umas já reconhecidas. Outras ainda estão em busca da oficialização do título do território, como é o caso do Quilombo Campo dos Poli.
A comunidade Quilombola Campo dos Poli, em Monte Carlo-SC, foi certificado como remanescente de quilombo em 2007 pela Fundação Cultural Palmares. Segundo carta redigida pelo presidente da associação dos Remanescentes do Campo dos Poli, consta que os membros foram criados na localidade Campo dos Poli, em Monte Carlo, e que pertenciam à família dos Apolinários. O documento também menciona que, por volta dos anos 1940 ou 1950, foram expulsos por fazendeiros que chegaram na localidade, estando a área ainda em domínio de uma fazenda.
Segundo reportagem do Diário Catarinense, a ocupação do território remonta ao século XIX, sendo a região marcada pelo tropeirismo e pelo uso de mão de obra escrava. O nome do território quilombola seria “[…] a abreviação do sobrenome Apolinário, que identifica os antepassados. A reportagem menciona que a expropriação territorial e simbólica foi legitimada por meio de uma ação de usucapião, movida em 1949, que possibilitou expulsão das famílias quilombolas e a extração de madeira nativa para fins comerciais. Inicialmente as famílias foram transferidas para outra localidade, próxima do Rio Taquaruçu, da qual jamais receberam a titulação e de onde também foram expulsas( diário catarinense, 2012). Apesar de reconhecida a comunidade Quilombola Campo dos Poli ainda não está titulada.
*Conforme levantamento realizado pela Fundação Cultural Palmares.
**Dados da Gerência de Políticas para Igualdade Racial e Imigrantes (GEIRI) da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social (SDS).
Referências
Manual Diálogos sobre a consciência negra publicado pela Diretoria de Direitos Humanos (DIDH) Gerência de Políticas para Igualdade Racial e Imigrantes (GEIRI)
Acessado em 05 de abril de 2023.
Ipatrimônio – Campo dos Polis em Monte Carlo.Acessado em 12 de junho de 2023.
Filmes da sessão:
A luta de um
quilombola polinário
2023 • 4min • Livre
Kaingang, herdeiros da teimosia
2015 • 17min • Livre
Sobreviventes de Taquaruçu – Guerra do Contestado
1985 • 8min • Livre
Sonhos de um negro
2005 • 8min • Livre
Mulheres da Terra
2010 • 22min • Livre
Debate após sessão
Convidados: Allison Marcelino e Rafael da Silva Marcelino